REPUTAÇÃO DO AMOR

O amor dedica ao amor
Os dias sem chuva
E lindos como convém
Ao amor e suas preferências
Ao nome do mais antigo amor
À chuva da palavra amor
Ao único amor sem pena sem forte regresso
Ao amanhã dos doidos
Aos coveiros aos joviais companheiros do degredo
À lacinante à ardente lembrança da tatuagem
À minha querida morte
Aos que ainda duvidam
Aos tesouros dos cegos
Às lágrimas
À água ao vento ao fogo ao amor
À esperança do que mata o seu amor
Ao tormento de gelo e de fogo
Aos primeiros incidentes que assinalarão a revolta e o sangue
Aos lençóis dos crimes passionais
Aos belos lençóis dos suicidas
À coronha inexplicavelmente mais meiga do que o revolver
Às partidas que varrem o próprio ar
Às manhãs lacinantes de quem é rejeitado pelo amor
Ao chumbo das balas
Para que aqueles que não foram atingidos morram
Como cães envenenados
Às dores dos que despertam
Às noites vazias
À minha vida perdida
À perda sem remorso sem regresso sem alegria da vida
Para que esses que amam e estagnam na bonança
Se levantem e lancem as primeiras maldições
Ao tufão
Às manhãs mais tristes que tudo
Para melhor fazer desaparecer o meu nome
Para sacudir a poeira e cair feito poeira
Para amaldiçoar os momentos que dizem felizes
Para o despertador carregado de pólvora
Às estátuas nuas à noite
Ao mármore perdido
Por se ter uma cama de mármore
Por não ter-se um jazigo
Aos sinais de fogo da adaga
Às únicas às incomparáveis recordações sexuais
À boca de pedra do amor
Ao frio da água à noite
Para recomeçar
Ao mais carinhoso amor.

César Moro

(«Le surrealisme au service de lá révolution» nº5, Paris Maio de 1933)

in, Mário Cesariny "Textos de afirmação e de combate do movimento surrealista mundial" perspectivas & realidades, 1977

3 comentários:

jorge vicente disse...

um dos melhores poemas que li nos últimos tempos, sem dúvida.

Um abraço
Jorge Vicente

mar disse...

aqui... (a aprender)

é imenso.

miguel. disse...

É pena que não haja muita coisa deste senhor editada em portugal... tudo o que li dele era muito bom.