Diante da morte, diante de um suicida perante a morte, é de muito mau gosto lançar mão de qualquer tipo de literatura. Em tal situação, e perante um tal conviva, não tem qualquer préstimo o arsenal dos subterfúgios. Só talvez o silêncio. O silêncio que a morte faz à sua volta, quando acontece. Quando, por acaso maior ou menor e com mais ou menos solenidade, acontece.
Diante da morte, como em quase tudo, também é preciso distinguir. Há o que é importante e o que não não é.
O que não é, pôr de lado. Não deitar fora mas, resoluto, pôr de lado. Diante da morte não há tempo a perder. Frieza e paixão devem ser habitualmente doseadas.
Diante da morte o importante é sentir. Sabe-se lá como. E o quê.
A morte, provavelmente. O tempo que falta até lá. O que ainda resta.
Sentir, degustar o tempo esse como um percurso: de aprendizagem. de exaltação, de sabedoria.
Diante da morte o importante é estar.

Rui Caeiro, in "Sobre a nossa morte bem muito obrigado" & etc, 1989

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