[ Exploradores do Abismo ]


«"Baralhou tanto os personagens de um longo romance que andava a escrever que até se esqueceu de quem eram e o que faziam esses personagens. Uma mulher morta, por exemplo, reapareceu à hora de jantar. E no dia em que era suposto o assassino ser electrocutado, mandou-o comprar flores para uma criança…"
Leio isto na plataforma iluminada de um eléctrico que, ao entardecer, me devolve, como todos os dias, a casa. Levanto os olhos por um instante, e depois continuo a ler: "E, no entanto, nunca fiz nada por mim. Fui-me tornando mais velho e resmungão, como era de esperar, numa pequena aldeia abandonada que ele descrevia sempre como morta e irrelevante."
Na plataforma do eléctrico crepuscular sinto-me raptado pelo começo deste conto. E fico com a impressão de me estar a dirigir para o hotel de uma pequena localidade, morta ou irrelevante. Começa a chover…»

Enrique Vila-Matas, in "Exploradores do Abismo" (tradução de Jorge Fallorca para a Teorema, encontrado aqui)

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