Pintura : Luis de Melo
A nova editora de Valter Hugo Mãe

1 comentário:

Anónimo disse...

Como se o abraço necessário de todas as manhãs fosse um rio depressa,
marginal.
A chuva alterada dentro dos olhos
enquanto as nossas bocas encolhidas se protegem da saliva limpa.

Há sombras e razões para que a tua voz por vezes me soe verde.
E há também razões para que as árvores como as nossas veias se cansem
Do jugular andamento da terra.
Da fria mão invisível: inverno tornado amável no nicho do peito.

Percorro a distância inclinada da tua sombra ao imaginar
Os teus músculos brancos.
Dedos bússolas cotovelos e pernas tudo se revolta pelo que não foi dito
na gaiola do silêncio da noite.

Eu e tu.
Fantasmas deitados de pálpebras vigilantes.
Atingidos mortalmente na garganta.
Amígdalas de pedras cristalizando água;
Batendo o sal de costas que nenhuma morte compra.

E quando a mão por vezes se eleva mais alto que as cortinas do quarto
Para acordar o corpo,
Gritam aí as íris inflamadas, os silêncios remendados e as danças e valsas
valsas do sangue que o amor não ouve.

A distância entre nós cresce como tinta madura derramada nos lençóis: doce queda não sibilada.
Pergunto-te:
Serão de carvão edificados os meus dentes?
Terei eu a repulsa interna necessária para esperar
em ti o crescer dos cravos que detesto?

Guardo agora o nosso silêncio apetecido entre os dedos.
Lá fora, a tangerina engorda em chamas.
Começa a escutar-se a insanidade crescente da música que antecede o beijo.
O hálito de pomba, vagaroso, nascido a cada sílaba como um cometa num dia chuvoso.

Voltas-te para mim.
E do lastro do incêndio desenhado pelo teu corpo
Nasce a hesitação fulminante do branco.
O desvario das regras puras.
A folha de um poema crivada de pregos.