Josep Pla
16 de Abril – Às vezes passeio pelas ruas com o objectivo exclusivo de olhar para a cara dos homens e das mulheres que passam. A cara dos homens e das mulheres que passaram dos trinta anos, que coisa tão impressionante! Que concentração de mistérios minúsculos e obscuros, à medida do homem; de tristeza venenosa e impotente, de ilusões cadavéricas arrastadas durante anos e anos; de cortesia momentânea e automática; de vaidade secreta e diabólica; de abatimento e de resignação perante o Grande Animal da natureza e da vida!
Há dias em que invento qualquer pretexto para falar com as pessoas que vou encontrando. Olho-as nos olhos. É um pouco difícil. É a última coisa que as pessoas deixam ver. Estremeço ao notar a escassa quantidade de gente que conserva no olhar algum rasto de ilusão e de poesia – da ilusão e da poesia dos dezassete anos. Da maioria dos olhos apagou-se todo o brilho pelas coisas abstractas e engraçadas, gratuitas, fascinantes, incertas, apaixonantes. Os olhares são duros ou mórbidos ou falsos, mas totalmente arrasados. São olhares puramente mecânicos, desprovidos de surpresa, de aventura, de imponderável.
Josep Pla, in "caderno cinzento" cotovia, 2011
"Caderno cinzento" vai ser em breve publicado na Cotovia como um dos primeiros títulos da preparada colecção "Grande literatura catalã".
via blog da cotovia
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1 comentário:
Já há muito que não espreitava o teu blog. Gosto muito deste senhor. Este excerto é muito bom. É mesmo como ele escreveu.
A.L.F.
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