NÃO HÁ PALAVRAS

Tocas um corpo, sentes-lhe o repetido tremor
sob os teus dedos, o cálido andamento do sangue.
Observas-lhe o lânguido amolecimento,
as suas sombras corporais, o seu desvelado esplendor.
Não há palavras. Tocas um corpo; um mundo
enche agora as tuas mãos, empurra o seu destino.
Estira-se o tempo nos pulmões
silva como um chicote rente aos lábios.
As horas, o instante, detêm-se,
extrais aí a tua pequena parcela de eternidade.
Antes foram os nomes e as datas,
a história tão clara e lúcida de dois rostos distantes.
Depois, aquilo a que chamas amor,
talvez se transforme em promessa arrancada,
muro erguido que pretende encerrar
aquilo que só em liberdade pode ganhar-se.
Não importa, agora nada importa.
Trocas um corpo, nele te fundes,
apalpas a vida, real, comum. Já não estás só.


Juan Luis Panero, in "Antes que chegue a noite" fenda, 2000
trad. António Cabrita e Teresa Noronha

3 comentários:

Anónimo disse...

Não há palavras, isto é:
belíssimo.

obrigada

susana

Anónimo disse...

Lindo...tenho que ter este.

Anónimo disse...

Obrigada pelas sugestões magníficas! Um abraço...Retornarei.
Um abraço,
Marly Ribeiro