«O domínio do fantástico na arte é muito amplo e sujeito nisso a uma variedade de efectivações. Digamos sumariamente que há o fantástico realista e o realismo fantástico ou mais expressivamente o realismo irrealizante. Entendemos assim que o primeiro é uma variedade de realismo vulgar e que apenas escolhe para seu campo de operações a própria fantasia. Ele é assim, digamos, muito mais «fácil» ou pelo menos de menor originalidade. Mas há o outro, o que se se fixa no real, às vezes com um rigorismo quase «científico» como o de Kafka, em que não saímos do domínio do conhecimento mas que em dado momento oscila nos seus contornos e nos leva a darmo-nos conta de que já não estamos nos limites de relações conhecidas e estáveis. Julien Gracq sabe magistralmente estender sobre o real imediato uma neblina incerta, uma dominante de silêncio que faz sinais à outra realidade do real, um subtil transreal que nos atinge obliquamente de suspeita e mal-estar. E é aí precisamente que começa a grandeza da sua arte. Decerto o «tema» não se furta à nossa atenção. Mas o que transborda dele é que particularmente nos afecta e permanece na nossa emoção indizível e angustiante.»

Vergílio Ferreira

Julien Gracq "A Costa das Sirtes" vega, 1988
trad. Pedro Tamen

2 comentários:

carlos m. disse...

Um livro exaltante, com uma enorme força poética, ao qual cairia bem a divisa surrealista: a beleza será convulsiva ou não será. E Um autor, ao que me parece, ainda quase todo por revelar em português.

MJ FALCÃO disse...

"A Costa das Sirtes é um dos livros mais empolgantes que li nos últimos tempos!
Parabéns por ter falado de um autor aqui quase desconhecido.
Escrevo sobre ele hoje no meu blog...
O falcão de jade