A MAIS CURIOSA DAS CRIATURAS

Como o escorpião, meu irmão,
Tu és como o escorpião
Numa noite de medo.
Como o pardal, meu irmão,
Tu és como o pardal
No seu miúdo desassossego.
És como o mexilhão, meu irmão,
Tu és como o mexilhão
Fechado e tranquilo.
Tu és terrível, meu irmão,
Como a boca
De um extinto vulcão.
E tu, ai de mim, não és um,
Não és cinco,
Tu és milhões.
Tu és como a ovelha, meu irmão.
Quando o carrasco vestido da tua pele,
Quando ele levanta a sua vara
Apressas-te a alcançar o rebanho
E vais para o matadouro a correr,
Quase orgulhoso.
Em suma, és a mais curiosa das criaturas,
Mais curiosa que o peixe
Que vive no mar ignorando o mar.
E se há tanta miséria na terra
É graças a ti meu irmão.
Se somos famintos, esgotados,
Se somos esfolados até ao sangue,
Espremidos como uvas para o nosso vinho.
Iria até ao ponto de dizer que é culpa tua,
Mas não,
Isso nada tem a ver contigo meu irmão.


Nâzim Hikmet, in "Poemas da Prisão e do Exílio" & etc, 2000
trad. Rui Caeiro

2 comentários:

Anónimo disse...

e adoro seu blog!! sempre tem ótimas dicas, queria saber se sempre que você postar um filme/livro você assistiu/leu. Pois sempre tem atualizações, fico impressionada ^^

miguel. disse...

Nádia,
Tudo o que aqui deixo tem a ver com o meu dia-a-dia... sou livreiro de profissão e antes disso trabalhei alguns anos num vídeo clube, no tempo em que ainda reinava o velhinho VHS... o dvd ainda era uma novidade.
Este blogue é para mim uma espécie de diário, as passagens dos livros que aqui se encontram publicadas são os meus sublinhados, outras vezes, no caso das novidades, são livros que estou a ler. Quanto aos filmes... nunca publico nada que não tenha visto, a não ser o caso das novidades, ou seja, filmes que ainda vão estrear... e que inevitavelmente acabo por ver mais tarde...

obrigado pelo seu comentário