LER ROMANCES
Nem todos os livros se lêem do mesmo modo. Os romances por exemplo, existem para serem devorados. Lê-los é uma volúpia da assimilação. Não se trata de empatia. O leitor não se coloca no lugar do herói, mas assimila os que lhe acontece. O relato vivo disso é a forma de apresentação apetitosa que traz à mesa um prato suculento. É certo que também há alimentos crus da experiência — tal como há alimentos crus para o estômago—, concretamente: as experiências que nos passam pela própria pele. Mas a arte do romance, como a arte da cozinha, só começa para lá dos alimentos crus. E quantas substancias suculentas não existem que são intragáveis em estado cru! E quantas experiências que são aconselháveis em estado de leitura, mas não de vivência! Fazem proveito a muito boa gente que morreria se passasse por elas in natura. Em suma: se existe uma musa do romance — a décima —, o seu emblema é o da fada da cozinha. Tira o mundo do seu estado cru, para lhe preparar pratos comestíveis e extrair dele o seu gosto. Se tiver de ser, pode ler-se o jornal à refeição. Mas nunca um romance. São tarefas necessárias, mas que entram em conflito.
Walter Benjamin, in "Imagens de pensamento" assírio & alvim, 2004
trad. João Barrento
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
mestre maior!
Enviar um comentário