E perguntei-te se também morrias.
E tu disseste: «Sim».
E eu disse-te: «Que vai ser de mim?»
E tu disseste que nesse momento já seria crescido.
E eu disse-te: «Não vejo a relação».
E tu disseste que sim, que havia uma relação.
E eu disse: «Bom».
E tu disseste que todos nós tínhamos de morrer.
E eu perguntei-te se para sempre.
E tu respondeste : «Sim».
E eu disse-te: «Então, e o céu como é?»
E tu disseste que isso era depois.

Sim.

E eu disse que havia de levar-te flores.
E tu perguntaste-me: «Quando?»
E eu respondi: «Quando morreres».
E tu fizeste: «Ah!»
E eu disse que havia de levar-te flores, e disse também: «Papoilas».
E tu disseste-me que era melhor não pensar nisso.
E eu disse-te: «Porquê?»
E tu disseste-me: «Porque sim».
E eu disse: «Bom». E depois perguntei-te se nos íamos encontrar no céu mais tarde.
E tu respondeste-me: «Sim».
E eu disse: «Ainda bem».

Sim.

E depois perguntei-te quem a tinha inventado.
E tu disseste: «Inventado o quê?»
E eu disse: «Essa história da morte».
E tu disseste: «Ninguém».
E eu disse: «E o resto?»
E tu disseste: «Qual resto?»
E eu disse: «Essa história do céu».
E tu disseste: «Ninguém».
E eu disse-te: «É boa». E disse-te ainda: «Pois». E depois disse-te: «Quando morreres, faço da tua barriga um tambor».
E tu disseste-me: «Isso não se diz».
E eu disse-te: «É pecado?»
E tu disseste: «Não».


Arrabal, in "Baal Babilónia" estampa, 1977
trad. Ernesto Sampaio

4 comentários:

Anónimo disse...

Tão bonito!
:)
Ana

Lia disse...

reparei e estranhei como pode ser bonito a repeticao das palavras.
obrigada.

franksy! disse...

este texto é estupidamente bonito! obrigada miguel!!!

Beatriz Hierro Lopes disse...

Bom livro :)