NUM ANO SURREALISTA

num ano surrealista
de homens-sanduíche e de banhistas-de-sol
girassóis mortos e telefones vivos
os políticos profissionais domesticados faziam o seu numero do costume
repartidos por partidos
nas pistas dos seus circos de serradura
onde os acrobatas e as balas de canhões humanas
enchiam o ar como gritos
quando de repente um palhaço fleumático
premiu um incomível botão de cogumelo
e uma inaudível bomba de domingo
caiu
apanhando o presidente que rezava
no 19.º buraco do campo de golfe
Oh estava-se numa primavera
de folhas de pele e de flores de cobalto
os cadillacs caíam como chuva entre as árvores
afogando os relvados com loucura
enquanto de cada imitação de nuvem
pingavam miríades de multidões sem asas
de sobreviventes de nagasáqui

E chávenas perdidas
cheias das nossas cinzas
flutuavam no ar à nossa volta.


Lawrence Ferlinghetti, in "Como eu costumava dizer" dom quixote, 1972
trad. José Palha e Carmo

4 comentários:

Anónimo disse...

peraí que fui tomar um café desse com o tio law!

Anónimo disse...

um bombardeio de imagens paira sobre mim

Helena Figueiredo disse...

Uma boa bica. Convido-o a visitar o meu blogue onde se encontra uma tradução da "Fuga da Morte" feita por mim, bem como um artigo sobre Celan

Vale a pena.

L.C.

lebredoarrozal disse...

grande mas grande poema:)
o ferli é simplesmente genial.