OBSTÁCULO

Falaram-me dum restaurante de luxo onde há as mais diversas iguarias. Há lá suportes de pratos com música, garrafas de dois gargalos, copos de pé e uma magnifica porta de entrada.
— As portas mais magnificas são essas em que por detrás se lê: "Abram em nome da lei".
— Prefiro, a esses dramas, o voo silencioso das abetardas e a tragédia familiar: o filho que parte para as colónias, a mãe que chora e a irmãzinha que pensa no colar que o irmão lhe há-de trazer. Quanto ao pai, regozija-se sem o mostrar, pois pensa que o filho acaba de se deparar com uma boa situação.
— Fui protegido, desde a mais tenra idade, por um animal doméstico, e no entanto sempre preferi uma daquelas historietas de antanho ao bafo quente da sua língua junto às minhas bochechas.
— Pode-se beber este licor verde com a ponta dos beiços, mas é mais conveniente encomendar um tónico.
— Os forçados esforçam-se imenso a fim de manterem a seriedade. Não lhes fale desses raptos sobrenaturais; a rapariguinha ainda trás o cabelo pelas costas.
— Por conseguinte, só há, para favorecer as evasões, esses carros cinzentos. Todos os dias, pelo meio-dia, alguém se escapa.
— Que ele tenha cuidado com essas escadas que são atiradas horizontalmente sobre as avenidas e que são, todas elas, de todos os. Agarre-a!
— Ele ri-se. Ora veja, aqui tem você um indivíduo que se aproxima de nós a correr.
Nem um só grito sairá dos nossos lábios. Ele corre mais depressa que as palavras.


André Breton e Philippe Soupault
[dadaphone (nº7), Paris, Março de 1920]

in "Pravda 2" fenda, 1983

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