EU NÃO QUERIA ENGANAR-ME

Eu não queria enganar-me, porém
trago uma ansiedade no coração confuso.
Porque é que eu passo por ser um charlatão,
porque é que eu passo por ser um escandaloso?

Nem biltre fui nem ladrão de estrada,
nem fuzilei inocentes na prisão.
Sou apenas um pobre boémio
que sorri a todos os que encontra.

Eu sou um moscovita folgazão e vadio.
Por todo o bairro de Tverskáia
pelas ruelas todos os cães
conhecem o meu andar ligeiro.

Todos os cavalos roídos
baixam a cabeça quando me encontram.
Sou um bom amigo dos animais,
cada verso meu cura-lhes a alma.

Vou de chapéu alto mas não para as mulheres,
não bate forte o meu coração por tormentos tolos —
para acalmar a sua tristeza ele prefere
dar às éguas o oiro das searas.

Entre os homens amizades não tenho,
e resigno-me a um reino diferente.
Estou pronto a pôr a minha melhor gravata
ao pescoço de qualquer vadio.

Agora já não quero sofrer mais.
É tempo de lavar o coração confuso.
E é por isso que passo por charlatão,
e é por isso que passo por escandaloso.


Serguéi Iessénine, in "Antologia da Poesia Soviética Russa I" livros horizonte, 1983
trad. Manuel de Seabra

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