ROMANCE

Ricardo era um rapaz com imaginação.
Com o dinheiro que o pai lhe deu, em vez de ir ao cinema, comprou uma cautela da lotaria.
Premiada!
Entrou numa sociedade por quotas para exploração de um bordel.
Comprou automóvel e meteu mulher, uma viuva deliciosa, surpreendida em flagrante.
Foi-lhe trespassada uma casa de penhores (por tuta e meia visto que o ex-proprietário tinha coração e ia dando com o negócio em patanas).
Pôde em breve ser director dum banco.
Arrematou um barco, dado que os armadores abriram falência.
O barco teve filhos e ele passou a ser avô de uma prole flutuante.
Um domingo em que não tinha mais que fazer foi ao Brasil e comprou uma roça, com coronel e tudo.
Quando voltou despediu a viuva deliciosa que entretanto o atraiçoara.
Uma tarde comprou a estátua em frente à sua casa e destruiu-a porque era nua e a imoralidade incomodava-o.
Vendeu o bordel (valorizadíssimo por causa dos melhoramentos) e a casa de penhores que lhe davam muito trabalho e comprou uma mina.
Os netos transportavam o carvão e o carvão enchia os netos.
Comprou quatro pistolas e dois homens para guarda-costas.
Quando comprou os homens e as pistolas lembrou-se de que podia ter uma fábrica de armamento e teve.
Uma manhã levantou-se com ideias de fazer mais qualquer coisa de histórico, talvez comprar o Canal de Suez ou mesmo toda a Ásia-Menor.
Mas, como já se previa, perdeu a imaginação.
Foi então que lhe ergueram a estátua vestida em frente da casa, onde estava a outra, nua.

Carlos Wallenstein, in “cinco histórias sem classificação especial” contraponto, 1953

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