Ensaio Filosófico e Literário publicado em 1970, a moeda viva está povoada de simulacros, fantasmas, imagens, visões de corpos que se esgueiram ou de seres de fuga que se expõem. É toda uma panóplia de conceitos que servem para construir o percurso do valor numa zona de trocas, desejo e perversão, inspirada e quetionadora de autores como Sade, Nietzcshe ou Fourirer. Tal como os «quadros vivos» pintados por Klossowski, o texto procura cristalizar o momento da passagem ou da ressurreição de um corpo inerte para um corpo vivo, de um valor de referência neutro para o seu equivalente em emoções e sensações, em prazer e sofrimento. A emoção voluptuosa em circulação é o corpo em movimento. A moeda viva é o signo libertário dos corpos que já-ainda são escravos das sociedades ocidentais capitalistas. Quanto ao sujeito, é um sequaz perverso de identidade não constituída que só poderá emancipar o seu corpo próprio, inconfesso enquanto tal, mas existente, na pura troca pelo de outrem.


Pierra Klossowski (Paris, 1905-2001)

Na transversalidade da sua obra inclassificável, Klossowski fez filosofia, produziu literatura e criou uma arte cénica singular, tanto na representação à frente das câmaras como na própria pintura — em forma de cenários reveladores de personagens desenhadas em tamanho real: os «quadros vivos». O imaginário infantil e juvenil do autor foi povoado pela presença real e fantasmática de familiares e amigos como Rilke, Gide e o seu irmão Balthus; mais tarde, conviveu com Breton, Foucault, Bataille, Blanchot ou Deleuze, que fizeram luz sobre os seus textos literários: Sade, meu Próximo, a trilogia As Leis da Hospitalidade ou Baphomet, entre outros. As suas traduções, nomeadamente de obras de Virgílio ou Nietzsche, geraram controvérsia devido à linguagem nova e estranha que Klossowski traçou para dar supremacia à musicalidade da expressão sobre a sintaxe. Como complemento de uma expressividade transdisciplinar, além da participação ocasional em películas de cineastas como Pierre Zucca ou Robert Bresson, a pintura de Pierre Klossowski, à qual se dedicou quase exclusivamente nos derradeiros vinte anos de vida, ilustra a visão obsessiva de tornar vivos os corpos e os seus fantasmas.


in, Pierre Klossowski "A moeda viva" antígona, 2008
trad. Luís Lima

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