A FORÇA DE ESPERAR

Mais vale falar para confessar o meu quinhão de sorte:
Não tenho nada de meu, tudo me tiraram
E os caminhos onde acabarei morto
Ando por eles como um escravo de cabeça baixa;
De meu só tenho o que sofro:
Lágrimas, suores e o mais penoso esforço.
Tudo somado sou um objecto de piedade
Se não for de vergonha aos olhos do mundo dos fortes.

Como não importa quem tenho uma vontade
Desvairada de comer e de beber;
Quanto a dormir sinto uma nostalgia ardente:
Como uma besta, num interminável quente.
Durmo pouco ou nada, folguedos não são comigo,
Nunca fodo uma mulher bonita;
E, todavia, o meu coração, vazio, vai sempre a direito,
Apesar da dor, nunca pára para parar.

Poderia ter rido, ficado tonto com o meu capricho
A aurora em mim podia escavar seu ninho
E resplandecer, subtil e protectora,
Sobre os meus semelhantes que teriam florido.
Não tenhais piedade, se a vossa escolha
É serdes estúpidos e sem justiça:
O dia virá em que serei
Um dos construtores de um edifício vivo,

A multidão imensa em que o homem é um amigo.


Paul Éluard, in "últimos poemas de amor" relógio d'água, 2002
trad. Maria Gabriela Llansol

ilustração de Gérard Dubois

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