«A arte pública dos Gregos que atingiu o apogeu na tragédia era expressão do que havia de mais profundo e mais nobre na consciência popular. O que há de mais profundo e mais nobre na consciência laica contemporânea é a pura contradição, a negatividade que atravessa a nossa arte. (...). Nos vastos espaços do anfiteatro grego era a totalidade do povo que participava nas representações. Pelo contrário, nos nossos mais distintos teatros preguiçam apenas os ricos. Os Gregos iam buscar os materiais da sua arte aos produtos mais elevados da cultura comunitária. Nós vamos buscá-los à barbárie social mais acabada. A educação do homem Grego fazia dele, no plano do corpo como no do espírito, desde a infância, um verdadeiro objecto da actividade artística e do prazer estético. O embotamento típico da educação contemporânea, na maior parte dos casos meramente orientada na perspectiva do lucro industrial, dá-nos satisfação idiota e simultaneamente orgulhosa da nossa inaptidão artística e ensina-nos a procurar objectos da experiência estética fora de nós, aproximadamente com o mesmo tipo de desejo com que o depravado procura junto de uma prostituta um fugaz prazer amoroso. o Grego era ensinado a representar, a cantar e a dançar, e portanto a sua representação no espectáculo trágico proporcionava-lhe um profundo prazer interior à obra de arte; estar à altura desse prazer, pela beleza e pela formação pessoais, era justamente uma honra. Nos tempos que correm manda-se amestrar um porção do proletariado existente em todas as classes para distracção do público e as fileiras do pessoal que se apresenta nos teatros tornaram-se um viveiro de vaidades mesquinhas onde vigora o desejo de agradar a qualquer preço e, em certas circunstâncias, a perspectiva de lucro rápido e abundante. Se o artista Grego era recompensado antes de mais pelo seu próprio prazer na obra de arte e depois pelo sucesso e pela aprovação pública, o artista moderno está amarrado a um contracto e a um salário. Estamos então em condições de caracterizar com rigor a diferença essencial: a arte pública dos Gregos era de facto arte, ao passo que a nossa é salariato artístico.
(…)
Não podemos, pois, admirar-nos ao verificar que também a arte anda em busca de dinheiro, porque tudo luta pela liberdade, tudo tende para o deus que lhe é próprio, e o deus do nosso tempo é o dinheiro, tal como a nossa religião é o lucro.»


Richard Wagner, in "A arte e a revolução" antígona, 1990
trad. José M. Justo

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