A TERRA PROMETIDA
(excertos)

As manchas de sangue a alastrar
Encontradas nas noites da memória
Depressa se isolam no vazio
A sangrar sozinhas.

Rosa secreta, abres-te sobre o abismo
À lembrança do teu brusco perfume.
O milagre evocado cruza então
A minha noite com essa noite
Onde, para te perder e encontrar, persegui,
Mais ardentes à medida que mais livres,
Deslumbramento e mordedura.

Já podes dizer a morte,
Já podes ver a nuvem negra
Insaciável desenfrear
Uma cavalgada de tempestades.
Se por um instante ignorar de novo o tempo,
Voltarias a vibrar com esse raio
Que nos foi destinado.
Feliz, inanimada?

A noite irrespirável perde o fôlego
Se vós, meus mortos, e os poucos vivos amados
Não me voltarem ao pensamento.
À força de solidão, compreendo, à noite,
Mas sem a vossa ternura não compreendia.

Sufocada pelo estertor ela apaga-se,
E vem, volta fora de si,
E sempre a ouço no fundo de mim
Tornar-se cada vez mais viva,
Clara, terna, terrível, mais amada,
A tua voz mata.

O amor já não é aquela tempestade
No assombro da noite
Que outrora ainda me amarrava
Entre insónia e delírio.
Agora é o clarão desse farol
Para onde o velho capitão
Avança, calmamente.


Giuseppe Ungaretti, in "Rosa do mundo" assírio & alvim, 2001

1 comentário:

mar disse...

"o clarão desse farol"

é quase uma imagem/revelação

e é
esmagadora de bonita

gostei muito muito
deste (também)

:)