Paul Verlaine [ Rimbaud ]1872


MANHÃ

Fui eu que tive, um dia, uma juventude adorável, heróica, fabulosa, digna de ser escrita em lâminas de oiro? — excessiva ventura! Porque crime, porque erro mereço a minha fraqueza de hoje? Vós, que julgais que os bichos soluçam de dor, que os doentes desesperam, que a morte tem pesadelos, contai a minha queda e o meu estupor. Eu, não me explico melhor do que um pedinte a entaramelar Paters e Ave-Marias. Já não sei falar!
No entanto, creio ter findo hoje a relação do meu inferno. Era bem o inferno; o antigo, aquele que o filho do homem escancarou os portais.
No mesmo deserto, sob a mesma noite, sempre os meus olhos lassos se levantam para a estrela de prata, sem que Reis da vida, os três magos, coração, alma, espírito, respondam. Quando iremos, para além dos desertos e dos montes, saudar o nascimento do trabalho novo, a nova sabedoria, a queda dos tiranos e dos demónios, o fim da superstição, adorar — nós os primeiros! — o Natal sobre a terra!
O cantar dos céus, a marcha dos povos! Escravos, não amaldiçoemos a vida!

Jean-Arthur Rimbaud, in "Iluminações - Uma cerveja no inferno" assírio & alvim, 1999

1 comentário:

Anónimo disse...

Celebrar a vida. Escravos de nós mesmos.