«Mas porque razão lhe dedico, então, essa adoração que não dou a outro escritor? Será porque o modo como falhou é externamente instrutivo? Será porque resistiu até ao último minuto? Admito que sim, gosto dos rebeldes e dos falhados. Gosto deles por serem tão humanos, tão "humano-demasiado-humanos". E é sabido que Deus também ama os ama mais que aos outros. Porquê? Talvez por serem o local onde o espirito é posto à prova? Talvez por serem os sacrificados? Como elegem se alegram os Céus quando o filho pródigo regressa! Será isto uma invenção de Deus ou dos homens? Acredito que, nestas coisas, homem e Deus se olham nos olhos. O homem, para cima; Deus para baixo. E, por vezes, os dedos tocam-se.
Quando me pergunto se amo mais os que resistem ou os que e rendem, percebo que são exactamente o mesmo. Uma coisa é certa. Deus não quer que cheguemos até Ele em inocência. Temos de conhecer o pecado e o mal, temos de sair do caminho, de nos perder, temos de perder a fé e desesperar. Temos de resistir enquanto tivermos forças para resistir, para que a rendição seja completa e abjecta. Espíritos livres, é nosso privilégio escolher Deus de olhos abertos e coração repleto, com um desejo que ultrapassa todos os desejos. Quanto ao inocente, Deus não se pode servi dele. Esse é o que "brinca no Paraíso eternamente". Tornar-se mais e mais consciente, mais e mais prenhe de conhecimento, mais e mais curvado ao peso da culpa, são privilégios do homem. Ninguém está livre da culpa; seja qual for o nível que se alcance, somos assediados por novas responsabilidades, novos pecados. Ao destruir a inocência humana, Deus converteu o homem num seu aliado potencial. Deu-lhe, por intermédio da razão e da vontade, um poder de escolha. E na sua sabedoria, o homem escolhe sempre Deus.»


Henry Miller, in "O tempo dos assassinos" hiena, 1985

1 comentário:

Anónimo disse...

Curioso,pois ando actualmente a ler este belo texto.

ricardo jorge, Afrodite