ENCONTREI-ME ILUMINADO

Encontrei-me iluminado nos telhados, era vago, era despovoado, era lindo.
Tinha a tristeza de uma cisterna
abandonada por preguiça de outras gerações.
Agora, ainda posso ver o meu choro discreto
quando no meu voo
os olhos grandes me deixam ver o sol em pausa.

Além, mesmo além
— o silêncio regressava aos braços cansados e sábios
para junto dos homens que volviam plácidos.
Além, mesmo além
o silêncio trazia no fundo chamas de queimar deuses e o próprio hálito dos deuses.
E queimava, queimava o selo vestido
hora a hora
até que das chamas colhia o segredo da vida e da morte.

Além, mesmo além
vago e despovoado eu caminhava mais um pouco
ainda com neve nos cabelos em ferida.

Que ninguém respire.
A hora não é de respirar,
reconheço.
No meu fato de espectador mal arrumado
exposto à porta de uma paróquia de condenados
não é de respirar,
reconheço.

Mas rei
acompanho a minha antiguidade
que parte nervosa para uma grande viagem.
A meio do dia
tomarei a meu gosto um pouco de moral no sangue.
E quando lá do sonho
os espelhos trouxerem mar
a chama singular e franzina
queimará o século e a fronte,
as sombras dos dedos nos seios,
os veleiros de imortalidade
cheios de palmos de terra,
até que lá do sonho eu não respire,
que a hora não é de respirar,
eu reconheço.

Fernando Alves dos Santos, in "diário flagrante [poesia]" assírio & alvim, 2005

Sem comentários: