Talvez me suceda em mim mesmo. Não sei quem mas alguém morreu em mim. Também ontem pressentia a desaparição e estava ameaçado pela luz, mas hoje é outra a faca diante dos meus olhos.


Não quero ser o meu próprio estranho, estou entorpecido pelas visões. É difícil

por todos os dias luz nas veias e trabalhar na retracção de rostos desconhecidos até que se convertam em rostos amados e depois chorar porque vou abandoná-los ou porque eles me vão abandonar.

Que

estupidez ter medo à beira da falsidade, que cansaço

abandonar a inexistência e

morrer depois todos os dias.



Antonio Gamoneda, in "ardem as perdas" quasi (2004)

imagem de Stefano Ricci

3 comentários:

ana marta disse...

Talvez a angústia pesada dos dias que assim se passam cubra o corpo de um grande calo. Deixa-se de sentir e vive-se em função de uma dor ensimesmada e, em vez de coração, é uma pedra que fica dentro do peito. Os segundos em que a vida sabe a pouco continuam a passar... talvez um dia a aquela pedra estilhace e, de novo, os dias voltem a ter o sol das primaveras em o futuro não era uma palavra.

Anónimo disse...

que poema!

Menina Limão disse...

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