SOBRE UMA MANHÃ QUALQUER

Manhã de ouro lhe poderíamos chamar se de ouro fora a primeira manhã
Adão inconfessado, e nada saberemos da primeira manhã
se afinal de ouro se afinal de prata.
Ainda possível ter sido de estanho?
A primeira manhã assim imaginada estanho e a cena desenrolar-se-á
com maçãs de estanho, aves de estanho, rios de estanho...
Adão não seria de estanho?
Adão inconfessado, e nada se saberá da manhã original.
A primeira manhã, a primeira luz, a primeira vida, a primeira lua
Tu, querida, o desejarias saber, o sei,
era teu desejo saber de que material fora a primeira manhã!
Evidentemente que (e aqui já cansaço a obcecar a caneta)
evidentemente que dizia
etc., etc.
e a respeito da primeira manhã afinal
que não interessa sabê-lo.
Olha, morre como o cigano, o pior é ires à escola.
Ah, os poetas são decididamente afectados.
Que raio de ideia esta de saber da primeira manhã?
Londrina a de hoje, e basta para tomar um excelente duche quente
com a água a pôr fervura na pele
e mais nada.
Da primeira manhã, Adão que se faça poeta e no-lo diga que metal.

António Gancho, in "o ar da manhã" assírio & alvim, 1995

4 comentários:

Anónimo disse...

parabéns pelo blog. Gostei.

magarça disse...

É grande a tentação de tudo querer saber..por este e todos os poemas que aqui me despertaram os sentidos, deixei-te uma surpresa no meu blogue.

Joana Gancho disse...

grande antónio gancho...
há uns tempos também deixei este poema no meu blog... :)

magarça disse...

e agora? agora esqueces a timidez, saltas para o palco com prémio na mão e nomeias mais cinco :)