Imogen Cunningham [ the unmade bed ]1957
UMA ESPÉCIE DE PERDA
Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados, gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissémos. Fizémos. E estendemos sempre a mão.
Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis, idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,
(— o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um apontamento)sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.
De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.
Não te perdi a ti,
perdi o mundo.
Ingeborg Bachmann, in "o tempo aprazado" assírio & alvim (1992)
6 comentários:
às vezes venho aqui na esperança que sirvas um descafeinado ;) as tuas escolhas são excelentes. o meu sincero obrigada. beijinho.
Tão bonito..
este poema e esta foto são o par perfeito:)
são mesmo...
e foi giro ir encontrar esta mesma parceria no teu blog, tem piada a forma como as imagens nos surgem ao lermos certos poemas, gosto muito desta fotografia e guardava-a até que hoje foi busca-la com a leitura deste belíssimo poema, é uma autora que conheço mal, tenho apenas este pequeno livrito e este é o poema que gosto mais...
;)
Belíssimo poema! É daqueles que salvam.
ela tem um romance, muito mas muito bom chamado malina, que ainda se consegue encrar naquelas feirinhas de livros manuseados.
a ingeborg vai directamente à ferida.
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