Poeira de vidro cobre-lhe a cabeça. Puto-Centopeia larga um rasto de palavras sorvadas nas pálpebras do ano 70.
O tinteiro das alucinações abre-se, entorna-se, e um abutre esvoaça por cima do papel. A noite refaz-se a partir da palavra noite. E a cidade afunda-se numa canção repetida em surdina.
O Puto-Centopeia escancara a boca, o ar estilhaça. A mão põe-se a esgravatar no pulmão da escrita.
O Puto, o Puto-Aranha, desce do tecto. Respira na teia dos dedos. Espalha-se pelo quarto o fumo enjoativo do ópio.
A parede oscila. Brilham os néons das cidades contaminadas.
Seis da manhã. Luz suja, morta. Chuva ácida. Restos de jornais molhados. Descobriram uma criança morta num caixote de lixo.
Bill toca-lhe o ventre. A criança ressuscita.
Madrugada peganhenta flutuando no vento das lixeiras.
O tempo afunda-se numa ilha de cinza. Caminhamos.
Em cima da mesa de cabeçeira o ar vibra, torna-se sólido. Estendo a mão, agarro a cabeça transparente de Bill. Guardo-a na ferida sanguinolenta do peito.
O Puto-Centopeia sorri em forma de coração.
Cabine telefónica estanque. Um corpo oscila no clorofórmio. A dor esvai-se, os dedos marcam números.
Onde viverá o último desejo?
Contra o vidro da cabeça ecoa um grito.
Bill-Língua-Morta rasteja com o sexo nas fissuras do asfalto.
Revólver. Dedo. Olho. Bala. Crânio luminoso que ascende.
Exterminar torna-se cansativo, dizes.
De pé, junto ao lavatório dum filme de série B, esmagas a beata no sabonete.
Sono: sémen escorrendo de um para o outro. Mão aberta.
A centopeia do ombro move-se em direcção à veia. Garrote improvisado, cem patas de veneno letal.
O Puto-Seringa ri convulsivamente.
Silhuetas atravessam o deserto. Multiplicam-se à roda das fogueiras. Na fricção dos sexos reproduzem-se.
Da penumbra dos corpos emaranhados ergue-se o Puto-Chacal: demolir as ruas numeradas, as avenidas que terminam nos cemitérios de lata. Violar os chuis que arreganham o dente. Devastar.
Estrela morta nas têmporas.
Destruídas as engrenagens de abastecimento à cidade os putos selvagens regressam à mente. Mortos- mortos sem dúvida por não existirem ainda.
Ilumina-se a cabeça do fantasma de Bill. Ouve-se a voz gravada dos poucos sobreviventes.
Corri para fora do ano 70. Nenhum amanhã, nem mesmo o suicídio.
O Puto-Centopeia envelheceu. Vive hoje retirado na Grande Casa do Cogumelo. À beira da lucidez eterna.
É tempo de recomeçarmos a jogar nos mil e um flippers deste fim de século.
Al Berto in. " O Anjo Mudo " assírio & alvim
5 comentários:
...é como engolir lâminas de barbear e pedir ao insecto mais à mão que medeie a próxima encomenda. Mas atenção, que faça bom negócio, esta paixão por armas de fogo e junk já me levou à ruina...e este solicitar de relatórios sem fim não pagam a renda desta cabana.
como se de um ânus se trata-se masturbou-a até à exaustão, e hoje são esses os escritos que o definem como mais um dos malditos da sua "geração" ...
Afinal bastava só mais uma gramas de pó preto de centopeia aquática e gigante do Brasil, e a sua história seria outra, ou não ?!
No palco dos fármacos, o sr W. foi uma vedeta, sapateando décadas a fio, euforias a 100 à hora, depressões profundas, ilusões caleidoscópicas, paranóias e apatias diversas...(que danças meu Deus). Tudo escrito e descrito com a sua caneta automática numa obra abstrata, confusa mas fascinante e que o relembra como um sobrevivente das mil e uma guerras, das mil e uma viagens. Aquele a que alguém um dia o terá referido como o único escritor americano do pós-guerra tocado pelo génio.
Lidava com o colter como se de um brinquedo se tratasse...e com isso enfiou uma bala na fronte da companheira. Ela não piou, o copo não partiu...mas ele...ele estilhaçou-se em microscópicos fragmentos, tentando até à hora da sua morte reunir os pedaços em falta, mas sem efeito. Talvez por isso não jogásse com o baralho todo.
ou talvez jogasse, a diferença é que no jogo dele a dama não ficava no meio dos homens...
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