brevemente na sistema solar...


Escrito com o português de Camilo Castelo Branco. «O livro é precioso porque é verdadeiro; é excelente, porque é bem escrito; é útil, porque encerra uma lição. Quem escreveu este livro?
Não o dizem as apreciações dos periódicos, nem os catálogos das livrarias. O livro é lido com espanto e talvez com lágrimas; ao passo que o autor, que tão cuidadosamente se ocultou, deve ter tido misteriosas e fortíssimas razões para esquivar-se à glória de haver escrito um livro tão precioso na forma quanto virtualmente útil. Transpira a verdade do contexto do romance, posto que a espaços a simpleza natural das coisas é estofada em pompas demasiadas da linguagem. Isso, porém, não desdoura, antes redobra o quilate da obra para quem se deixa de bom grado cativar e levar nas asas da dolorosa poesia que voeja por alto. O que os bons espíritos hão-de ver nesta pungente narrativa é a substância de tal e tamanho flagício praticado entre 1841 a 1868, neste tempo, em nossos dias! A crítica ilustrada estremará da religião divina, que ensinou Jesus, a protérvia dos sacrílegos que se abonam com ela, e lhe vão apagando as luzes para que as trevas da Idade Média se condensem e envolvam as instituições não carimbadas pela chancela pontifical. [...] O tradutor abstém-se de indicar as passagens realçadas de maiores belezas, porque lá está o claro entendimento de quem lê para as distinguir; e seria também desacordo antecipá-las, prejudicando o tal qual prazer do imprevisto.» (Da «Advertência do Tradutor»)



A história de Tristão e Isolda - os estranhos imortais do amor que constroem a sua tragédia sob as fatalidades de um sentimento imposto por artes da magia céltica, a paixão contra a qual os costumes e as leis são impotentes - mostrava-se como alternativa às sublimes lentidões de Wagner, e veloz, e empolgante, e obediente a todo o saber que faz a eficiência dos contos repetidos pela tradição oral. A lenda de Tristão e Isolda chegava ao êxito editorial e era confirmada no amor-símbolo, na sua intensidade inultrapassável, a que El-Rei Dom Dinis ousou ainda assim em versos desafiar: «o mui namorado Tristan sey ben que non amou Iseu quant?eu vos amo.»
«Joseph Bédier [1864-1938] tinha sabido seduzir o grande público com uma história de ingenuidade selvagem, com uma prosa que evocava ao leitor francês a tradição de contar que ele conhecia em Perrault. E em 1938, quando uma inesperada e fulminante congestão cerebral o atingiu no seu retiro de Grand-Serre, no Drôme, soube-se pelos jornais que tinha morrido... aquele autor... que escrevia coisas importantes sobre a Idade Média, sem dúvida, mas era o renovador do romance de Tristão e Isolda que já festejava a sua centésima edição.» (A.F.)



«Élie Faure (1873-1937) um médico, mas sobretudo escritor que em jornais, revistas e livros pensava a arte, toda a arte, como "o grande mistério da transposição lírica", e os homens como "construtores" obscuros com um esforço colectivo ignorado, responsável pelo aparecimento dos espíritos superiores no mundo. [...] O texto «Paul Cézanne» é de 1914 e está entre os que dedicou a notáveis "construtores do mundo", ou seja, a autores de "um trabalho de organização esboçado numa sociedade destruída". São a esta luz significativas as considerações que a sua História propõe sobre o pintor: "Mesmo quando tenta compor, como nessas extraordinárias reuniões de personagens nuas onde fez o esforço, visivelmente obcecado pela memória de Poussin, de construir com inabilidade uma longa melodia sensual no meio do grande coro das árvores, do vasto céu, das águas correntes, mostra-se mesmo então livre de toda a espécie de intenção psicológica ou literária. E o seu clacissismo, essa necessidade de ordem e medida que desde a infância o perseguia, mesmo então se engana sobre o seu verdadeiro sentido. Ele provinciano, ele católico, está de acordo como ritmo secreto do seu século, é impelido em direcção ao organismo desconhecido, que hesita, por forças profundas das quais não tem mais consciência do que os pedreiros das últimas igrejas romanas perante uma nave que ia de repente saltar, aligeirar-se, alongar-se, planar como uma asa coma geração que ascendia." Joachim Gasquet (1873-1921) deixou na literatura francesa uma imagem quase esquecida de poeta lírico, tendo chegado a dizer-se que a mais forte desde Victor Hugo. [...] Só era um dia mais velho do que Élie Faure, mas os seus pulmões - roídos pelo gás clorídrico dos ataques químicos da primeira Guerra Mundial - reduziram-lhe a vida a quarenta e oito anos, os últimos passados numa luta sem êxito pela sobrevivência. [...] Embora Cézanne fosse amigo de infância do seu pai, Joachim só o conheceu em Abril de 1896 (o ano do retrato onde hoje o vemos, exposto na Galeria de Arte Moderna de Praga e com um aspecto difícil de associar aos vinte e três anos de idade que nessa altura ele tinha). Entre os dois houve um convívio intenso, os quatro anos de encontros e cartas que veremos reflectidos em «O Que Ele Me Disse...», aos quais outros se sucederam de relativo afastamento até ao desacordo político que em 1904 definitivamente os separou.» (A.F.)

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