uma boa notícia...


«A primeira crise de esterilidade literária de Jean Genet (1910-1986) - sete anos vazios entre "Le Journal du Voleur" (1949) e a peça de teatro "Le Balcon" (1956) - sucede a um período fértil, medido por outros sete anos. De facto, a um poema feito no cárcere em 1942 - "Le Condamné à Mort" - primeiro anúncio de um grande poeta e de um magnífico transtorno de valores morais desde logo mitificado com a história de uma aposta entre reclusos que lhe estaria na origem, seguiu-se em 1944 o romance "Notre-Dame-des-Fleurs" (para o qual teve Cocteau de «inventar» uma editora situada em Monte Carlo, anónima, "aux dépens d?un amateur"), e depois "Miracle de la Rose" em 1946, "Querelle de Brest" e "Pompes Funèbres" em 1947, e ainda "Poèmes" em 1948 e "Journal du Voleur" em 1949, quase tudo o que, somado ao seu futuro teatro, nos faz arriscar uma palavra assustadora - génio - para não explicar de todo que aprendizagem (feita onde?, com quem?, para quê?) levou àquela escrita que uma faca, empunhada por um filho de pai incógnito e com uma memória magoada por acusações de roubo, assistências públicas e casas de correcção - obrigada a sonhar-se com delinquências vagabundas em marselhas e barcelonas - riscava com luxo para ferir a literatura e pô-la ao serviço de uma recusa de tudo o que afectasse positivamente a moral burguesa. Com estas histórias de exemplo em subversão pôde perceber-se que "uma função da arte" - viria ele próprio a dizê-lo assim, textualmente - "é substituir a fé religiosa pela eficácia da beleza"; e que esta beleza deve ter, pelo menos, "a força de um poema, quer dizer, de um crime"; e que aos seus livros tecidos com magnificênciaverbal ("a minha vitória é verbal", avisaria também, "e devo-a à sumptuosidade das palavras") caberia o papel de servir aquela beleza, e servi-la tão bem que ficassem irrecusáveis de sedução os espelhos onde ela se reflecte, e mesmo que a imagem reflectida confrontasse uma inversão ética do próprio leitor.»

Aníbal Fernandes

Jean Genet "No sentido da noite" sistema solar, 2012
trad. Aníbal Fernandes

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