DA BOA UTILIZAÇÃO DOS CALMANTES

O médico marcou-me consulta, e eu pensei cá comigo: porreiro, não vou ter de esperar.
Cheguei lá; quinze pessoas. Não fiquei nada contente. Felizmente, tinha lá revistas. Pus-me a olhar para as figuras. Doze pessoas. Fiz as palavras cruzadas. Oito pessoas. Fiz o problema de bridge, mas como não sei jogar, foi bastante difícil.
Por fim, chegou a minha vez.
Entrei. O médico disse-me: dispa as calças.
- Ah, desculpe — disse-lhe. - Vim cá porque me dói a cabeça.
- Ah ah, dor de cabeça — disse-me ele. - Tem ideias fixas?
- Tenho, fixas à cabeça
- Consegue localizar a dor?
Localizar — que é que ele queria com aquele localizar? Mais uma palavra fina para assustar as pessoas.
- Vou examiná-lo — disse-me ele.
- Isso não é coisa difícil — disse-lhe eu e abri a boca e mostrei-lhe o dente do siso, o que está estragado.
Pôs-se a olhar para ele e disse-me:
- Já estou a ver o que é. Precisa de uns calmantes.

Raymond Queneau, in "ficções de humor" tinta permanente, 2003

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