MEMÓRIAS DE UM LIVREIRO
«Quando trabalhei num alfarrabista — um lugar que aqueles que nunca lá trabalharam facilmente imaginam como uma espécie de paraíso onde respeitáveis cavalheiros de ar simpático folheiam eternamente in-fólios encadernados —, o que mais me impressionou foi a escassez dos verdadeiros amantes de livros. Apesar de a nossa livraria dispor de um lote de obras excepcionalmente interessante, duvido que sequer dez por cento dos nossos clientes soubesse distinguir os bons livros dos que não prestam. Snobes à cata de primeiras edições eram bem mais numerosos do que os apaixonados pela literatura, mas estudantes orientais a regatear o preço de compêndios baratos eram ainda mais numerosos, e mulheres desesperadas em busca de presentes de aniversário para os sobrinhos eram as mais numerosas de todos.
Muitos dos que cruzavam a nossa porta eram o género de indivíduos capazes de importunar tudo e todos em qualquer lugar, mas, numa livraria, dispunham de um campo de manobra especialmente vasto. Por exemplo, a encantadora velhinha que «quer um livro para um inválido» (um pedido bastante comum, diga-se), ou a outra encantadora velhinha que leu um livro delicioso em 1897 e deseja saber se lhe conseguimos arranjar um exemplar. Infelizmente, não se lembra do título nem do nome do autor, nem sequer do tema da obra, mas recorda-se, isso sim, de que tinha uma capa vermelha.(…)»
George Orwell, in "Livros & Cigarros" antígona, 2010
trad. Paulo Faria
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2 comentários:
ah ah ah!
este podia ser o meu dia-a-dia... :)
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