UM DISCURSO TRANSPARENTE

Avanço através de um caos silencioso.
Nem um som nem uma sombra. É uma lenta descida.
É vazio o princípio do princípio. Solipsismo.
A possibilidade de nascer é o desejo que nasce.
Esquecer, viver. Tudo dizer em evidências brancas.

Com as armas mais puras, com a luz das minhas ervas
enuncio a fragrância de uma lâmpada. Comovo-me
com a água do poema. Crianças de cor solar
acenam em campos silenciosos. É suficiente estar aqui
mais além de todo o lugar, na superfície nua.

Habito agora o movimento do meio-dia.
Inesgotável um campo tão contínuo.
O sol fixou-se na corola do tempo, o espaço é puro.
O mar levanta-se do fundo até aos seus limites.
Um discurso flui completo e transparente.


António Ramos Rosa, in "Volante verde" moraes editores, 1986

1 comentário:

Sylvia Beirute disse...

belissima escolha. é um conterrâneo meu:)

S.