DEZ MIL PELES-VERMELHAS

Para eles
o tempo existe
em estado nulo

Felizes de tanta felicidade
Dez mil peles-vermelhas agacham-se
na pradaria
e preludiam à sublime dança

Engolem os dias
despenteiam as noites

Dez mil peles vermelhas e lúcidas
preparam-se para fazer rir a chuva
as terras engelhadas por desejo e sede
fazendo os tambores soarem de som cheio

Som
cheio

Dez mil peles vermelhas apaixonadas
preparam-se para misturar o seu sangue irrequieto 
ao leite sombrio das mulheres tão calmas
ao mel risonho dos seus lindos filhos

Filhos do século
onde estão os vossos tridentes

Dez mil peles vermelhas
pálidas mas sólidas
abandonam a família para morrer à parte

Dez mil peles-vermelhas
de sangue em fogo
a sua vida ainda lá está
a desencantar demónios


Max Ernst, in "identidade instantânea" & etc, 1983
trad. Aníbal Fernandes

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