É ASSIM QUE COMEÇAM
É assim que começam. Pelos dois anos
trocam a ama pelo enigma das canções.
Gorcejam, assobiam, — e as palavras
surgem por volta dos três anos.
É assim que começam a entender.
E no ruído pior que uma turbina
parece que a mãe não é mãe,
que eles não são eles e a casa é outra.
Que fazer da terrível beleza
que se senta no banco lilás?
Realmente quer roubar crianças?
E assim nascem as suspeitas.
Assim amadurecem os receios. Aceitar
a estrela alta inatingível,
quando se é Fausto, quando se é visionário?
É assim que começam os ciganos.
É assim que se abrem, voando alto
sobre as cercas, onde estão as casas ausentes,
dos mares súbitos como suspiros.
É assim que nascerão os jambos.
Assim nas noites de Verão, de barriga
na areia, e a súplica: Seja!
Ameaçam a aurora com a tua pupila.
E até se atrevem a discutir o sol.
É assim que começam a viver de poesia.
Boris Pasternak, "Antologia da Poesia Soviética Russa - I" livros horizonte, 1983
trad. Manuel de Seabra
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