É O QUE É, É O CAFÉ!

Bem sei que muito estratego tem ganho batalhas à mesa do Café, que um número inacreditável de políticos corta e dá à mesa do Café, que ambiciosos projectos literários, plásticos, cinematográficos se têm arquitectado (e gorado) à mesa do Café, mas…
… Eu gosto da Mesa do Café! Salazar não gostava, dizia que o penalizava ver a mocidade queimar o tempo no Café em vez de ir para os Estádios («Ó Mocidade, vai para os Estádios!», não incitava o poeta?) e o seu azar ao café chegava a tal ponto que, quando anulou a semana inglesa de certos sectores da Previdência já, nessa altura (há trinta anos), beneficiavam, declarou que era melhor trabalhar ao sábado de tarde do que ir para os Cafés conspirar. Ele lá sabia…
Curiosamente, gente progressista também ataca o lugar-comum que é o Café. Porque se dará desse pacato ponto de encontro só uma imagem negativa? Quando se quer significar que um revolucionário não é revolucionário, diz-se que é «… de Café». Com os poetas, os pintores, os cineastas, a mesma coisa. Eu penso que há nisto uma grande incompreensão e uma absurda exigência. O Café é o Café e não pode ser mais do que o Café. Não é universidade, academia, clube, quartel-general, sede partidária, campo de trabalho, areópago. É o Café, é o que é! Precursor das mesas redondas (não das monologas somadas uns aos outros), inventor das tertúlias em que velhos e novos, consagrados e desconhecidos convivem democraticamente em torno da democrática bica, o Café viu nascer, a par de muitos faznadões (e o que é, em termos de civilização, um faznadão?), gente que se avantajou nas Artes, nas Letras, na Politica, etc. Quem não recorda os Cafés que, por esse mundo, foram xícara para tantas mexidelas nas referidas Artes, nas supracitadas Letras, ma mencionada Politica? Ora, ora, inimigos do Café! Olhem que ele não esteriliza mais do que qualquer outro lugar de paleio e convívio onde o espelhismo, como é de regra, também faz a sua aparição. E reparem que, no Café, o repentismo crítico, com toda a sua verve, com toda a sua falta de respeito, está sempre à espreita de espelhos para estilhaçar…
Ao Café, pois, e que saiam duas bicas («com laços, Snr. Pina!») para a mesa do canto, que é a dos sisudos!

P.S. – Ah, é verdade! Entre dois cafés, trabalhem…

Alexandre O’Neill, in “Já cá não está quem falou” assírio & alvim, 2008


foto de Fernando Lemos [ melhor cachimbo que chapéu ] 1949

2 comentários:

lebredoarrozal disse...

vou-te roubar isto para por no meu café.

não sei do meu livro.

posso, não posso?

miguel. disse...

claro :)

se fizeres busca no meu blog tens mais textos sobre cafés, há pelo menos um texto do António José Forte sobre os cafés...