um dia encontrarás o amor onde ele não te encontra mais
subirás as escadas fantasmas da posse
as frases murmuradas contra o sol
e o doce ranger dos corpos vai cortar-te os dias
passarás pelo fogo das palavras mentidas
pelos versos densamente habitados pelos teus gestos
a ausência de ti mesmo calará os teus passos
como se entrasses no amor
por uma porta assassinada
verás os selos do coração
um a um desfeitos pelo clarão
verás o teu nome medido em sílabas de pânico
correndo do medo para a luz
pássaros de bruma trarão noites inteiras
o sabor cru dos peitos esmagados pela ausência
o som a fogo interior de tão imaginado
e andarás na memória como numa dor intrusa
com as duas mãos do desejo tocarás no fim
tão frio como se o impossível te tivesse os braços
presos aonde foste mais que um corpo
e o seu peso inteiro em sonho
ouvirás o som das multidões do sangue
os sítios perdidos de tão tidos
as noites que doeram por se abraçar
e quando ouvires as palavras suspensas
que guardam o coração do tempo
tão reais como se o sangue as dependesse
quando caminhares na dor como no chão
estarás de pé na morte onde te vejo
na cal viva das paredes dos ossos
o teu abraço chegará a mim
como um rio acordado e frio
e mãe a angústia vai separar-te de mim
nesse dia perdido em todos os minutos do mundo
em que todas as coisas sejam renovadamente mortas
encontrarei o amor onde ele não me encontre mais
Pedro Sena-Lino, in "zona de perda" objecto cardíaco, 2006
ilust. Andrea Heimer
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