O sexo. Poucas coisas gozam de um prestígio tão universal e indiscutível desde que, há não há muitos anos ainda, o sexo passou a ser uma coisa. Eu tive a sorte de viver a ascensão do sexo a bibelot, vindo dos mais espantosos do mal. Numa década, numa triste década, o sexo passou de uma das causas mais evidentes de deformação da coluna vertebral (apodrecia), e mongolismo, de catatonia, à categoria de artigo doméstico, juntamente com os detergentes e as lexívias. Entre as chamadas camadas baixas, substitui o Ópio do povo — intui-o profeticamente Baudelaire em 1865: «a religião das massas é foder» —, e entre as classes altas, entrou em franca concorrência com os desportos náuticos. Actualmente, é muito fácil estar prevenido contra a felicidade sexual; na pré-história do sexo massivo, não era, porém, tão fácil distingui-lo do cancro dos ovários.

Félix de Azúa, in "A história de um idiota contada por ele mesmo ou o conteúdo da felicidade" editorial querco, 1988

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