NOTA DO EDITOR

João César Monteiro. Poeta. Cinquenta e oito anos levados levados sim de vôo sem rede — e sem juizinho de agasalho. Melhor do que ele, ninguém escreve em português de — e para — cinema. São os seus scripts (ou filmes da galáxia Guttenberg) de lamber a língua canónica: volúpia e escarno, ascese e escatologia numa ondulação de tal modo ritmada que é já êxtase erótico, cópula astral. Depois, quando iluminados por projecção mágica, viram ópera: teatro e música enquanto, e só, artes sacras — comédias, bufonarias sejam, libertinagens, profanações.
Ver-se-á também aqui: o seu desdobramento, ou assumpção, em João de Deus (como Jarry em Ubu, Artaud em Mômo, porque não Renoir em Boudu?), na agónica crueza com que se despe (ou se oferece ao holocausto social em anarquista coroado: são espinhos...), deixa no pano de fundo da nossa torpe e malvada contemporaneidade um rasto repulsivo, mas um frémito de quase insuportável (convulsiva) beleza.
E ninguém como nele a irrisão bisturiza tão sem anestesia o pesadelo existencial para soltar o canto, o cântico profético da poesia incorrigível liberdade.


Vitor Silva Tavares

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