SERVIÇO DE ABASTECIMENTO DA PALAVRA AO PAÍS
Vieram ter comigo dos lados do mar. Eram três, eram três mil. Vi que era pão que procuravam ou que não era pão que procuravam. Pus-me a distribuir por eles as minhas palavras: árvore, pássaro, mar, criança, rapariga, mulher. A cada palavra minha eu ia-me esvaziando. Era a vida, a minha vida que se me ia. Eles ficavam incendiados. Nunca tinham pensado que se pudesse comunicar assim coisas próprias. Vieram mais, muitos mais dos lados do mar. Disse-lhes: morte, Deus. E caí redondo no chão. Naquele dia ficou instituído o Serviço de abastecimento da palavra ao país. Ainda vieram ter comigo, dizendo para eu arranjar outra designação, que aquelas iniciais não podiam ser. Mas eu já habitava plenamente a minha morte, meu planeta desde tenra idade.
Ruy Belo, in "Sião" frenesi, 1987
imagem de Selçuk Demirel
2 comentários:
tão bom ler este senhor...
um espanto.
um espanto.
um espanto.
belo, belíssimo, bello.
um abraço, miguel.
e obrigado.
gi.
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