Salvador Dali, 1983


«E enquanto o velho artista, em cima de um escadote, lutava pela expressão justa da cara à luz da lua que tinha nascido e guiava o seu escopro, a Mariazinha mostrava-me a sua vivenda, desde a cave até ao sótão, e contava-me, com voz baixa, como lhe tinha aparecido um anjo, como escutou o seu conselho e ficou amante de um escavador; com o último dinheiro que tinha comprou uma parcela na floresta, o escavador escavou as bases e dormia com ela numa tenda, depois trocou-o por um pedreiro que dormia com ela e a amava na tenda e construiu todas as paredes, depois Mariazinha arranjou um carpinteiro que lhe fez toda a obra de carpintaria, dormindo com ela já num quarto numa cama, depois também o deixou e arranjou canalizador que dormia com ela na mesma cama como o carpinteiro e lhe fez todas as canalizações, e que, uma vez a obra pronta, foi trocado por um operário que, amando-a sempre na mesma cama, cobriu a casa com telhas de fibrocimento . Esse foi trocado por um estucador que lhe arranjou todas as paredes e todos os tectos, podendo, em recompensa, dormir de noite na sua cama, sendo depois trocado por um marceneiro que lhe fez os móveis, e assim, ajudada pelo amor e uma vontade firme, a Mariazinha construiu esta vivenda e ainda por cima arranjou um artista que a ama com uma amor platónico e, continuado a obra de Deus, a esculpe sob a aparência de um anjo.»

Bohumil Hrabal, in "uma solidão demasiado ruidosa" afrontamento, 1992

Sem comentários: