ESPELHO NEGRO

Dois corpos que se estreitam e crescem
e penetram na noite de sua pele
e sexo, duas trevas entrelaçadas
que inventam na sombra a sua origem, os seus deuses,
que dão nome e rosto à solidão,
e desafiam a morte sabendo-se mortos
e derrotam a vida ao serem a sua presença.
Diante da vida sim, diante da morte,
dois corpos impõem uma realidade aos gestos,
braços, músculos, à terra húmida,
vento de chamas, lago de cinzas.
Diante da vida sim, diante da morte,
dois corpos que porfiam exorcizam o tempo
construindo a eternidade que lhes é negada —
supõe eterno o sonho que os sonha.
É negro o espelho em que se replica a sua morte.

Juan Luis Panero, in "antes que chegue a noite" fenda, 2000

imagem de Lorenzo Mattotti

1 comentário:

gi disse...

curioso, miguel, como este poema (entre uns quantos mais que os meus olhos têm percorrido nos últimos tempos) tão bem capta a relação entre sexo e morte, alfa e ômega que se atraem e, ao mesmo tempo, que se combatem.
com os anos, e é porventura apenas e só fruto da minha própria estrada, cada vez mais me parece que há qualquer coisa de utópico (um último bastião de qualquer coisa transcendente) no cruzamento, raro e precioso, entre sexo e amor. como se daqui nascesse a luz que ilumina o desamor quotidiano e a falta de qualquer coisa (de sentido para a aventura humana, talvez).
peço desculpa pela extensão.. este poema tocou-me profundamente, por articular algo que me é 'próximo'.
obrigado por este café de meio de tarde.
cumprimentos,
gi.