Edward Hopper [ South Truro Church ] 1930


AMOU TANTO

Agora era velhinha e não conseguia sentir-se tomada de qualquer sentimento em relação a coisa alguma, mas tinha amado muito.
Esperava ainda encontrar-se com algum ser que se movesse sobre a crosta da terra.
Até que se enamorou pela fachada de uma igreja de Assis, decidindo mudar-se para aquela cidade. Era Inverno, e durante os temporais nocturnos, saía com um guarda-chuva para fazer companhia à igreja, plena de uma luz amedrontada.
Depois, chegou a Primavera, e todas as manhãs e todas as tardes, com as mãos, tocava as pedras quentes e enxutas. Foi um amor sereno e sem traições que durou até à sua morte.

Tonino Guerra

2 comentários:

magarça disse...

Tenho ali o livro, à espera de dias mais pausados. Este texto fez-me recordar um conto de Clarice Lispector sobre uma "velha sequinha que, doce e obstinada, não parecia compreender que estava só no mundo". Os livros são como as cerejas :)

miguel. disse...

Tonino Guerra é um daqueles a quem volto sempre, a sua obra editada em Portugal é muito breve, apenas três livros ( caso existam mais agradeço o comunicado ), O Mel, O livro das igrejas abandonadas ( livro de inspiração para Nostalgia de Andrei Tarkovsky ) e Histórias para uma noite de calmaria, do qual este pequeno conto (ou lá o que se pode chamar a tamanha sensibilidade literária) faz parte.

angi
gostei muito do seu blog,e voltarei lá mais vezes...

magarça
é um livro que deve recorrer muitas vezes, para ler e reler... os livros são mesmo como as cerejas ... :)