Narciso
Dentro de mim me quis eu ver. Tremia,
dobrado em dois sobre o meu próprio poço...
Ah, que terrível face e que arcabouço
este meu corpo lânguido escondia!
Ó boca tumular, cerrada e fria,
cujo silêncio esfíngico eu bem ouço!...
Ó lindos olhos sôfregos, de moço,
numa fronte a suar melancolia!...
Assim me desejei nestas imagens.
Meus poemas requintados e selvagens,
O meu desejo os sulca de vermelho:
Que eu vivo à espera dessa noite estranha,
noite de amor em que me goze e tenha,
... Lá no fundo do poço em que me espelho!
José Régio
pintura : narcissus de Caravaggio
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